segunda-feira, 15 de junho de 2009

Artigo de Gutemberg Costa - Vice-Presidente da CNF

Publicado em 12 de junho de 2009 em "O Jornal de Hoje". Natal/RN.

Menos um mestre da sabedoria entre nós

Gutenberg Costa, folclorista, pedagogo e vice-presidente da Comissão Norte-rio-grandense de Folclore (macandmac@bol.com.br)

Quando se vai um mestre, aquele que verdadeiramente tem o que ensinarmos, ficamos cada vez mais pobres e órfãos de seus sábios saberes e fazeres. Éramos amigos, irmãos caçulas e filhos adotados. Estivemos tantas vezes perto de sua alegria quando estavas dançando o seu ritual dos Congos e da mesma forma nos momentos de tristezas, diante de seus desabafos inerentes a quem opta por vivenciar o folclore de corpo e alma num País sem valorização de sua cultura popular.

Quanto se paga a uma banda dessas existentes que se apresentam apenas por um dia? E quanto se paga aos grupos folclóricos que vivem entre nós há décadas? Quantas autoridades acompanharam a sua ida ao cemitério? Um dos maiores que a Vila Ponta Negra já viu. Povo chorando. Povo vestido de seus grupos folclóricos. Povo aplaudindo-o! E até quando será perpetuada a funesta máxima de que santo de casa não obra milagres?

Somos todos os culpados, segundo já dizia o grande Darci Ribeiro. Cada um a sua maneira que faça um exame de consciência, para medir o peso de sua culpa em relação ao descaso com esses geniais mestres! As universidades têm graduações para quase tudo, é claro nas quais os graduados ganhem dinheiro. Mas me digam senhores reitores, quem de bom juízo quer ser um 'folclorista' num mundo globalizado em que o dinheiro está acima de tudo e de todos? Quantos milhões deixam para seus herdeiros os que abraçam o gosto e o desgosto do nosso folclore? Suas ações são aplicadas em amizade, respeito, alegria, simplicidade e amor à cultura genuína do seu povo! Seu espólio ficará entre nós, os brincantes e os apreciadores de seu Congo de Calçola de Ponta Negra. O cheque em branco que você, mestre José Correia, deixou no banco da vida, foram os milhões de bondade como o grande legado para todos nós. Suas riquezas culturais e valores pessoais poucos neste mundo podem deixar!

Querido mestre, nossa Comissão Norte Rio Grandense, com 60 anos, fundada por Câmara Cascudo e outros valorosos mestres, não dispõe de um centavo em caixa para comprar-mos coroas fúnebres. Nossas homenagens costumam ser em vida! Dispomos sim, de solidariedade e respeito aos mestres de grupos folclóricos no dia-a dia. Esse é o decreto número um, ensinado pelo nosso professor Deífilo Gurgel. Segundo a escola 'deifiliana' ao modo de Platão e Sócrates, é preciso ter amor à cultura popular e desapego ao dinheiro, para ser um autêntico folclorista. Talvez por isto, é que sejamos tão poucos neste universo tão capitalista do século XXI. Uma 'era' que ainda teima em 'matar' os seus mestres, da mais cruel forma hitleliana, ou seja, de ostracismo cultural. Isso é, quando estes são relegados ao esquecimento por todos nós e principalmente pelo poder público, que é quem os deveria assistir com dignidade em vida. Nem é necessário dizer que cada vez que um grupo folclórico é propositalmente deixado sem apresentação, concorre-se para a morte de seus lideres. E isso infelizmente ainda ocorre cotidianamente por esse Brasil afora...

E como filosofava minha saudosa mãe dona Estela, quando tomava conhecimento da partida para a última das viagens de alguém: Dessa vida nada se leva e só se deixa à bondade e a amizade... Fique certo mestre Zé Correia, que tanto à bondade quanto à amizade, você deixou espalhada como semente para ser plantada e cultivada por nós, os seus amigos, amigos do seu Congo e amigos sinceros de todas as horas que lutam na trincheira do rico Folclore potiguar, que hoje fica mais pobre com sua partida.

Nosso admirado amigo Zé Correia – fique na santa paz do folclore e que sejas recebido com alegria por nosso Deus, o verdadeiro Mestre dos Congos.