sexta-feira, 17 de julho de 2009

Artigo de Severino Vicente - Presidente da CNF

Publicado em 09 de julho de 2009 em "O Jornal de Hoje". Natal/RN.


Em São Gonçalo do Amarante: um novo olhar para o Folclore


Quando pensamos o folclore e seu vasto universo, nossos olhares se direcionam para os mestres e seus ricos saberes. Uma vivência do cotidiano mergulhado nas culturas nascidas e geradas pela família, amigos, em qualquer contexto social, onde as relações mais íntimas, contínuas e afetivas, se tornam o primeiro passo para a compreensão do povo em sua dinâmica vivencial, de forma criativa, lúdica e mágica, capaz de alimentar esperanças, expectativas e de unir suas raízes de forma intra-social, mas com a obrigação de respeitar e preservar. Nada é tão emocionante quanto ouvir as lembranças dos velhos brincantes que guardam em suas memórias um conhecimento milenar, repassado de geração a geração sem perder a essência, beleza e magia.

Essa força espiritual, fazendo os velhos mestres viverem alegremente mesmo sem possuírem o conforto ou os recursos necessários a uma vida digna, é a mesma que faz com que jovens respeitem as experiências de vida e, incitados pelo vigor da juventude, tracem e vivenciem esses repertórios, cujos mostruários expostos nos dá a mais completa visão dos rastros conservados pelo povo, respaldados na tradicionalidade, oralidade, perpetuidade sob um novo olhar, uma nova dinâmica cultural, como fazem as pastorinhas do pastoril de São Gonçalo e seu genial palhaço Alex, um verdadeiro maestro quando entra em cena.

Contudo, nada disto terá vida longa se não houver sensibilidade da sociedade, dos gestores públicos e privados quanto à preservação dessas manifestações da cultura popular. Em nosso Estado assumem uma posição de relevância por ser a terra de Luis da Câmara Cascudo, o mais importante estudioso do Brasil e um dos maiores do mundo, e que tem no mestre Deífilo Gurgel uma continuidade, orgulhando a todos nós seguidores de ambos.

O pastoril de São Gonçalo do Amarante tem uma tradição centenária, motivo de orgulho para seus habitantes quando é citado como possuidor de uma autenticidade ímpar que engrandece o folclore potiguar e brasileiro. Eis a razão dos nossos olhares se voltarem para o “Pastoril D. Joaquina”. Pois, o referido grupo tem desenvolvido um trabalho de releitura estética dos mais perfeitos dentre os existentes neste país, contribuindo para uma nova forma de estudar e ver o folclore numa sociedade em constantes e rápidas mudanças. A Comissão Norte-Rio-Grandense de Folclore, não só apóia como proclama esse importantíssimo trabalho realizado numa terra de santos e mártires.

Eis as razões do convite ao “Pastoril D. Joaquina”, formulado pelos organizadores do mais importante festival de folclore e cultura popular do Brasil, que já está em sua 45ª edição, na cidade de Olímpia/SP, a ser realizado de 08 a 16 de agosto de 2009.

No Festival já mencionado também recebi convite para ministrar palestra sobre o tema:O Pastoril do Rio Grande do Norte: sua evolução e dinâmica”. Baseado no trabalho que vem sendo realizado por esse grupo de jovens brincantes. Demonstraremos os vários momentos dessa recriação e evolução na vivência da tradição popular de São Gonçalo do Amarante.

Lembramos que nesse festival, nascido sob a inspiração do saudoso professor José Santana, se fará presente grandes nomes e estudiosos da cultura popular Brasileira. Um evento plural, uma experiência positiva que evolui ano a ano, alimentado do itinerário cultural folclórico brasileiro, um legado da mestiçagem que faz deste país uma referência para o mundo.

Artigo de Severino Vicente - Presidente da CNF

Publicado em 16 de julho de 2009 em "O Jornal de Hoje". Natal/RN.

A Cultura Brasileira: uma realidade plural


Do século XIX em diante passamos a vivenciar notáveis avanços com a valorização de idéias e novas conceituações das coisas do Brasil. Essa preocupação, esse novo momento, pode ser considerada como fase de inspiração no campo da pesquisa para um domínio do conhecimento, elucidando problemas e questões inerentes à cultura Brasileira.

Começam a surgir trabalhos de natureza política, sociológica, econômica, antropológica, literária e científica. É o período dos viajantes estrangeiros e dos mais importantes nomes que consolidaram o mundo cultural dos brasileiros.

Nas duas últimas décadas do século passado fomos atacados por novos padrões e paradigmas, cujos efeitos e reflexos talvez nenhuma sociedade no planeta haja escapado. Mesmo as que por questões ideológicas ou culturais resistam em se opor à nova ordem, com todas suas práticas. Um poderoso fenômeno que chamam de globalização, mais que uma experiência, uma condição de vida, inexorável e irreversível pelas nações em todo planeta.

A inserção do Brasil nesse cenário é uma realidade já que integramos o segmento dos países emergentes. Em função dessa ordem de coisas precisamos aprofundar nossas pesquisas e estudos para sabermos fazer a diferença e não ficarmos rendidos no altar da globalização. Essa é a questão: conhecer ou não conhecer a real cultura brasileira.

Folclore, cultura popular, cultura erudita e identidade cultural estão na mesma condição. Notadamente, num mundo em que a cultura de massa domina todo o cenário, pois, esta, absorve aquela realidade plural e apóia-se num corpo de símbolos, mitos e imagens bastante identificados com a vida prática das massas urbanas, de forma cosmopolita e planetária, atuando em contextos pluriculturais.

A cultura de massa produz um universo muito vasto, que abrange todos os setores da moda, incluindo o lazer, esportes, cinema, arte, música, a imprensa escrita e falada, a literatura, enfim, tudo o que diz respeito à contemporaneidade.

E a cultura popular? Elemento essencial para compreender o povo e suas vivências religiosas ou profanas, tradicional e inovadora ao mesmo tempo, sem perder a essência e a fidelidade às suas raízes, é o grande laboratório nos dias atuais, com suas festas tradicionais transformadas em mega espetáculos, mormente para atrair turistas

Impossível fugir essa dura realidade, porque a regra é geral: têm que se vender de tudo, desde ideologias, visões de mundo e idéias até desejos e emoções.

Muitos são os exemplos, inclusive no Rio Grande do Norte, mas, vou dar como testemunho o “Maior São João do Mundo” na cidade de Campina Grande. Uma festa que acontece durante todo mês de junho. Uma repartição de tempo ditada e negociada. Discurso construtivo que combinam imagens, símbolos, ícones globais e locais.

Naquele espaço global, as matrizes da cultura popular nordestina são submetidas às estratégias de reconvenção comunicativa, econômica e simbólica para atender a um mercado massificado.

Ao entramos vemos logo uma fogueira que muda de cor, controlada por computadores. É o maior São João do mundo e, se fizermos uma boa leitura intelectual, concluímos que em toda aquela engrenagem existe um sentido de pertencer a algum lugar, algum mundo. O mundo dos nordestinos.