terça-feira, 1 de setembro de 2009

Homenagem e respeito ao falecimento do mestre do Folclore Potiguar

Treze anos sem o mestre Veríssimo de Melo

O saudoso amigo que na intimidade da amizade era chamado de ‘Vivi’, nasceu em Natal, terra abençoada por Padre João Maria e Câmara Cascudo, no dia 9 de julho de 1921 e veio a se encantar no dia 18 de agosto de 1996, mês dedicado mundialmente ao folclore. Sua grande paixão em vida, alicerçada nas lições cascudianas que o mesmo teve o privilégio de recebê-las em vida. Discípulo dileto do mestre da Junqueira Aires, como folclorista viajou quase todo o mundo, ora pesquisando, ora participando de seminários e congressos, como representante do RN e então presidente da nossa Comissão Norte-rio-grandense de Folclore.

Quando resolvi por curiosidade e teimosia pesquisar sobre o vasto mundo da cultura popular, diante da idade do mestre Cascudo, procurei logo por ajuda de livros emprestados e conselhos de Gumercindo Saraiva e Veríssimo de Melo. O primeiro reservou-me os sábados pela parte da tarde, com muita aula, conversa e vinho em sua casa. E quanto ao Vivi, este liberou todas as manhãs da semana para receber-me na sede da Academia de Letras. Com paciência ia me pedindo para anotar num caderno as principais obras sobre o folclore brasileiro, mas diante de minha dificuldade financeira em adquiri-las de pronto, disse-me em menos de um mês, entre um cafezinho e um trago do seu cigarro: “Vou te emprestar um livro de cada vez, pois quem leva dois ou três não volta para devolvê-los ao dono”. Após a publicação de seu livro sobre Tancredo Neves na Literatura de Cordel, deu-me quase todos os folhetos de sua pesquisa, com a desculpa e o incentivo profético: “Eu estou vendo seu interesse e sei que você um dia vai precisar para publicar uma obra sobre o Cordel”.

Às vezes quando o livro trazido de sua biblioteca era pouco volumoso, eu o lia em silêncio numa grande mesa do Conselho Estadual de Cultura, paginando-o e anotando e só sendo interrompido, quando o mestre Vivi, se aproximava com o convite: “Vamos dar uma paradinha meu jovem para uma água e um cafezinho”. Perdi a conta dos dias e dos livros, mas estão na memória seus conselhos e suas histórias sobre Cascudo, Zé Areia, Luís Tavares, Newton Navarro, Albimar Marinho, Roberto Freire e Cancão, entre outros intelectuais, boêmios e quixotescos personagens de seu convívio natalense. Cada história era acompanhada da inevitável risada, que até chamava a atenção da senhora secretária da Academia, que não as ouvia, mais percebia nós dois caindo em gargalhadas. Sempre dizia-me que aquele clima de esculhambação, sua esposa não aprovaria em seu apartamento e que por isto nossos encontros teria que ser sempre no térreo da casa de letras de Manoel Rodrigues de Melo. Quando chegava alguém amigo, o mesmo ia atender em sua mesa de presidente do Conselho de Cultura, mas quando se tratava de um daqueles tipos chatos, o mestre se sai com esta: “No momento estou ocupado com este jovem que veio aqui pesquisar sobre folclore”. E na saída do indesejado, haja risadas e cafés para comemorarmos a divina despedida.
Vivi era bacharel em Direito e talvez por isto sempre incentivara-me a fazer também um dia “o maior curso universitário”. Foi juiz municipal, professor universitário de etnografia e antropologia da UFRN, jornalista, compositor, pesquisador, folclorista e escritor. Boêmio e tocador de violão, me dizia rindo que tinham sido duas profissões boas do seu passado... e que tinha sido até guia do conhecido cego Raimundo.

Após a aposentadoria em 1989, dedicou-se mais a publicações de livros e artigos em jornais e revistas. Segundo confessava, a partir de então o folclore, tomou-lhe o tempo para seu prazer, não para ganhar dinheiro. Quase sempre o via abrindo sua caixa postal no Correio da rua Princesa Isabel e retirando dezenas de cartas e livros vindos de toda a parte do mundo. Parecendo ter bola de cristal em sua frente, dizia quando me via saindo do Correio com uma só carta na mão vindo da minha caixa: “Lá na frente quando seus cabelos caírem assim como os meus, você vai achar chato receber tanta carta sem tempo para respondê-las”. E parodiando aquela canção ataufiana – eu era anônimo e feliz e não sabia...

Faltando apenas quatro dias para o dia do folclore de 1996, o mestre Vivi partiu tão rápido com seu coração tão grande, com passo sempre ligeiro de quem era magro para as terras de São Saruê, onde as barrancas são de cuscuz e o rio é de leite. Terra de verdadeira amizade, bate papo, caju e... Tudo puro sem corantes e conservantes artificiais do século XXI...

Este ano minha filha mais velha Elaynne, formada em Letras na UFRN, passa no concurso para professores da rede municipal de ensino de Natal e começa a trabalhar justamente na Escola Municipal Veríssimo de Melo, no bairro de Felipe Camarão. E a citada professora de literatura e português que não teve o privilégio de ser amiga do mestre patrono de sua escola, como o seu pai, que além de amigo, foi também aluno da chamada Universidade espontânea do saber verissimoniano, me pede uma fotografia e livros do mestre Vivi para o acervo da sua escola. Na hora veio-me um impulso do coração, para ligar para Diógenes da Cunha Lima, grande amigo de Vivi, e pedir-lhe ajuda nesta ‘intriga do bem’ da educadora, e este atende-me de pronto, dizendo-me não se tratar de coincidência nenhuma, mas sim de um pedido do próprio Vivi a dois amigos.

Não querendo acreditar e nem desacreditar totalmente de nada nesta terra de tanta vã filosofia, faço como o mestre Vivi faria, dou uma risada, tomo um cafezinho e por não fumar cigarro, baforo um charuto para comemorar a aposição da fotografia do meu saudoso mestre no próximo dia 25 às 10 horas na referida escola, que com justiça homenageia esse grande homem que soube com maestria cultivar a amizade e respeitar o folclore.

Gutenberg Costa, pedagogo, folclorista, escritor e acadêmico do curso de Direito da Faculdade Câmara Cascudo (gutenbergcosta@bol.com.br)

Publicado no “O Jornal de Hoje” em 18 de agosto de 2009.

Nenhum comentário:

Postar um comentário